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Como o trabalho de imagem enalteceu "Parasita" e outras produções do Oscar 2020
Especialistas ressaltam a importância dos elementos visuais para envolver o público
A noite mais aguardada da Indústria do Cinema, neste ano, veio para fazer história e atravessar fronteiras, afinal, pela primeira vez, na cerimônia do Oscar, um filme não falado em inglês leva os principais prêmios, incluindo Melhor Filme: o sul-coreano Parasita, que também conquistou os prêmios de Melhor Direção para Bong Joon-ho, Melhor Roteiro Original e Melhor Filme Estrangeiro, sendo o longa com o maior número de premiações da noite.
Para Mariana Mascarenhas, jornalista e pesquisadora da linguagem cinematográfica, a decisão da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em conceder o principal prêmio da cerimônia a uma produção estrangeira como Parasita reflete uma expansão do olhar para além das fórmulas cinematográficas já conhecidas, sem contar o reconhecimento da potencialidade de outras culturas que poderiam ser mais valorizadas mundialmente.
“É, exatamente isso que o filme sul-coreano faz: ele rompe com a previsibilidade do começo ao fim, em torno de um tema de repercussão mundial que é a desigualdade social, trabalhando diversos gêneros numa única história, como drama, suspense e tragédia, além de arrancar risadas em alguns momentos”, diz a jornalista.
Mariana reforça tal afirmação ao dizer que a disputa para Melhor Filme estava acirrada e que outras produções como 1917, uma das favoritas a ganhar tal prêmio poderia ter ganho, afinal o filme estava impecável, com cenas de guerra em planos-sequência que traziam maior realismo às cenas, mas com uma narrativa que se tornava cada vez mais explícita com o desenrolar da trama. No entanto, em o Parasita, o elemento surpresa se faz presente durante todo o longa até atingir o ápice no final.
“Mas, além do fator-surpresa, também não podemos nos esquecer como este filme comove ao traçar um paralelo de duas famílias completamente distintas e como tal diferença se reflete em suas personalidades, afinal a trama narra a história de uma família pobre se infiltrando numa família rica sem que esta perceba alguma coisa”, ressalta a jornalista. Ela aponta como os elementos cinematográficos auxiliam na ilustração desta desigualdade, incluindo a presença constante de uma minúscula janela com grades, cuja vista é para a calçada da família pobre, que vive num porão, em contraste com a janela gigantesca e sem grade na mansão da família rica.
“Num dos momentos do filme, ambas as famílias enfrentam uma tempestade de modo que a pobre sente seus efeitos com muito mais intensidade do que a rica, fazendo-nos refletir sobre um cenário tão comum na realidade”, conclui a jornalista.
Estudioso do impacto das imagens na sociedade há mais de 30 anos, o Prof. Dr. Jack Brandão, doutor em Literatura pela USP e diretor do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS IMAGO LAB, ressalta o poder que tais elementos levantados por Mariana possuem na mente do público, mais até do que a própria narrativa em si.
“Na propaganda, por exemplo, uma das formas de atrair o consumidor é utilizar o chamado efeito latente, ou seja, de repetição de imagens e palavras-chave que se fixam no nosso inconsciente sem nos darmos conta. Num filme acontece o mesmo. No caso de Parasita, a presença constante da janela acentua essa desigualdade de modo que eu me sinta, até mesmo, sufocado na cena que exibe a casa da família pobre, enquanto ganho fôlego na cena em que observo a mansão da família rica”, diz Brandão.
Para o professor, o diretor da trama usa da imagem para causar um incômodo sensorial que seria, então, o incômodo da desigualdade. “Não devemos nos esquecer que a imagem não é apenas visual, mas auditiva, tátil, olfativa. A partir do momento que eu a consumo, estou consumindo a realidade que ela me apresenta e assim envolvo meus sentidos nela. Além disso, há uma série de acontecimentos surpreendentes ao longo da trama e percebemos que a maioria deles ocorre em planos escuros, fechados e num ambiente apertado e sufocante”. Para o pesquisador, é exatamente isto que o público deseja, ser surpreendido pela imagem, ou, ao menos, acreditar ser.
Mas, embora outras produções que disputavam o Oscar de Melhor Filme não tenham trabalhado o elemento surpresa como Parasita, também possuem seus méritos. “Em 1917, por exemplo, a imagem praticamente conta a narrativa do filme em planos-sequência que nos levam para a perspectiva de visão do protagonista. Tanto é que a produção levou os prêmios de Melhor Fotografia e Efeitos Visuais, além de conquistar também Melhor Mixagem de Som”.
Outro filme apontado por Brandão que ele acredita nos prender pela imagem é o Coringa, que apesar de ter liderado em indicações (11), levou apenas de Melhor Ator para Joaquin Phoenix e Melhor Trilha Sonora Original, que, por sinal, foi elogiada pelo professor. “Como disse, a imagem também é auditiva e a trilha sonora ‘ilustrou’ com perfeição as perturbações mentais do protagonista, afinal é, justamente, a trilha adequada que condiciona a nossa interpretação para aquilo que ela quer ‘ilustrar’”, conclui.
Portanto, tanto Parasita quanto as demais produções nos mostram como a imagem pode nos influenciar sem que nos apercebamos disso e fazer toda a diferença numa premiação como a do Oscar.
Sobre Mariana Mascarenhas:
Jornalista. Mestra em Ciências Humanas pela UNISA. Pesquisadora da Comunicação e da Linguagem Cinematográfica e do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS IMAGO LAB.
Sobre o Prof. Dr. Jack Brandão:
Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP). Diretor do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS IMAGO LAB, editor da Lumen et Virtus, Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem, pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes pictográficas, escultóricas e fotográficas.
Mais informações: www.condesfotosimagolab.com.br
Canal no Youtube: www.youtube.com/user/jackbran